Um
conto de Érebus
Todas as luzes da rua falharam; elas piscaram e em
seguida começaram a perder a claridade, como se a energia estivesse faltando na
rede elétrica por causa de algum defeito nos cabos ou na distribuição. Pablo
estava estacionando o carro para abrir o portão da sua garagem quando uma coisa
extremamente estranha chamou sua atenção; as luzes dos postes de iluminação
diminuíram a iluminação, mas os faróis do carro também perderam força na mesma
proporção, e não foi só isso, mas o motor do automóvel começou a engasgar
repentinamente; o carro soluçou e quase se desligou sem qualquer motivo
aparente para tal.
_ Ora, o que foi isso? _ pensou em voz alta.
A luz dos seus faróis projetada no portão da garagem
aumentavam e diminuíam de intensidade, como se o facho luminoso estivesse
lutando para permanecer visível. O mesmo acontecia com a iluminação pública que
antes banhava a rua.
Antes de sair do veículo Pablo olhou de um lado para
outro e não viu nada que justificasse a preocupação profunda que estava
sentindo, ele quase podia sentir que alguma coisa fora dos padrões da natureza
estava para acontecer, mas nem em seus sonhos mais delirantes teria imaginado o
que seria. Ele estava naquele exato limite invisível que mantém o desconhecido
afastado das pessoas, mas algo cruzaria esse limite e a partir daquela noite a
vida de Pablo jamais seria a mesma.
Só para ter certeza de que ele mesmo não estava, de
alguma forma, imaginando coisas, pegou o telefone celular que antes repousava
no console central do carro e com um toque no botão lateral despertou o
aparelho, porém, o mesmo fenômeno também estava acontecendo com dispositivo; a
luz da tela estava quase se apagando e a bateria que pouco tempo atrás tinha
mais da metade de carga, agora, já estava inexplicavelmente quase toda drenada.
Ele tinha que guardar o carro e entrar logo em casa,
aquela noite já estava muito esquisita, mas logo que Pablo abriu a porta do
veículo para sair algo caiu sobre o capô com uma violência tão grande que a
parte traseira do automóvel se ergueu
quase um metro do chão. O som do metal retorcendo foi tão assustador que Pablo
chegou a sentir uma dor aguda que lhe percorreu desde o peito até a extremidade
dos dedos da mão esquerda que começou a formigar. Ele bateu com a cabeça no
teto do carro, pois já tinha destravado o cinto de segurança e foi atingido por
vários fragmentos que só depois percebeu que eram estilhaços do vidro grosso do
pára-brisas que parecia ter explodido com o impacto.
Nada fazia sentido e Pablo percebeu que havia sangue
em seu rosto, passou a mão na própria face e tentou sair do carro quase que se
arrastando para fora; a parte da frente do veículo estava completamente
destruída, mas ele não sabia o que tinha causado tamanho dano, em princípio
pensou que o muro de sua própria casa tivesse tombado, mas logo descartou
aquela teoria porque o muro, assim como o portão de sua garagem, permanecia
exatamente no mesmo lugar de antes. A mente do jovem tentou encontrar uma
explicação, mas não foi capaz, faltavam elementos que lhe ajudassem a pensar
direito e com clareza.
Cambaleando, ele saiu do veículo e notou que havia
fumaça saindo pelo capô completamente destruído, muita fumaça, mas não era só
isso; havia mais uma coisa lá. Ainda sentindo um pouco de formigamento no braço
esquerdo e uma dor no peito ele esticou o pescoço para tentar enxergar além da
frente do carro, algo se moveu. Pablo se assustou.
As luzes falhavam, mas voltavam, cada vez mais
fracas.
O susto de Pablo foi maior ao perceber que havia uma
pessoa caída na frente de seu carro retorcido, parecia um homem, mas não era
apenas a frente do carro que estava destruída; todo o pavimento da calçada
apresentava fendas profundas que rasgaram o concreto em várias direções e uma
leve depressão como uma espécie de cratera rasa. Certamente tinham sido
causadas pelo impacto do que quer que tivesse caído sobre o automóvel.
Pablo ouviu algo. Um som rouco. Uma voz fraca.
_ Saia daqui!_ Dizia.
Ele percebeu que o homem que antes estava caído
tentava se levantar, mas parecia não ter forças, e mesmo a sua voz estava fraca
não era o suficiente para transmitir qualquer informação; certamente estava
gravemente ferido.
Pablo piscou algumas vezes ainda buscando alguma explicação
para a cena insólita na qual tinha sido envolvido, mas nada surgia. Sua mente
estava um verdadeiro caos de pensamentos se chocando uns contra os outros.
_Corra!_ Disse novamente_ Saia daqui agora!_ Havia
urgência mesmo naquela voz fraca.
O homem caído tentou novamente se erguer, mas
novamente não conseguiu. E Pablo também não conseguiu fazer outra coisa que não
fosse dizer:
_ Eu moro nessa casa._ Falou, mas o que ele queria
mesmo era saber de onde aquele homem tinha surgido e o que tinha acontecido
ali.
Perguntou:
_ Você está bem?
O outro tossiu e tentou falar algo; na verdade
falou, mas pareceu ser em outra língua que Pablo não compreendeu.
As luzes falharam novamente e daquela vez demoraram
quase dois segundos para retornar.
_O que aconteceu? _ Pablo perguntou, obviamente se
referindo ao que poderia ter causado um estrago tão grande ao seu carro e ao
calçamento, mas a resposta foi tão incompreensível quanto todo o resto.
_ Não posso mantê-lo afastado_ Foi a resposta, e
concluiu_ Fuja; fuja agora! Salve sua vida!
Já era tarde demais.
Finalmente as luzes perderam sua batalha e se
apagaram completamente; todas as luzes da rua; os olhos de Pablo demoraram
quase dois segundos para se adaptarem na falta de iluminação e foi só naquele
momento que Pablo percebeu o brilho pálido da lua cheia amenizando a presença
das sombras que se abateu sobre eles. O outro homem se ergueu fazendo um
esforço que parecia sobre-humano e tentou ficar em posição como se estivesse
esperando que algo brotasse das sombras sobre ele.
Pablo tentou perguntar novamente o que estava
havendo, mas percebeu, horrorizado, que não havia mais qualquer som no
ambiente; sua voz não saia, era como se de repente e sem mais nem menos, ele
tivesse sido tragado para uma região de vácuo, mas aquilo era impossível. Porém
o pior ainda estava por acontecer.
Tão rápido quanto o vento, algo se moveu saindo
debaixo do carro, rastejou como uma serpente escura e avançou sobre o outro
homem que não teve tempo de esboçar qualquer reação. A brutalidade do impacto
da sombra contra o outro o arremessou de encontro ao muro da casa de Pablo e o
muro foi completamente destruído como se fosse feito de algum material frágil.
Pablo ficou horrorizado com aquilo e tremia
incontrolavelmente sem saber o que fazer ou pensar; ainda não havia qualquer
som ambiente e a situação piorou quando ele notou que a serpente feita de
sombras agora já não era mais uma serpente, parecia-se com uma mistura bizarra
de um inseto gigante e desconhecido com algum tipo de cefalópode cujos tentáculos
frenéticos se moviam em todas as direções.
De repente um som abafado se fez presente, algo como
uma explosão controlada que o vácuo que se fazia presente no ambiente logo
dominou e consumiu. A criatura de sombras recuou por um instante e o homem que
tinha todo o lado direito do corpo terrivelmente dilacerado mantinha uma aura
incandescente em suas mãos.
Aqueles dois seres estavam travando uma batalha tão
violenta que nem faziam questão de perceber a presença insignificante do observador
terrivelmente amedrontado tão perto deles. A criatura mudou de forma novamente
e avançou como uma nuvem de sombras com uma infinidade de garras e tentáculos
dilacerando tudo o que via em sua frente; o outro homem tentou repelir o ataque
das trevas, suas mãos luminosas tentavam vencer a falta de luz irradiando o
mínimo de claridade que fosse, mas ele estava fraco e gravemente ferido; o
pouco de luz emitida ali foi apenas suficiente para que Pablo conseguisse ver a
feição desesperada do outro homem lutando para não ser devorado vivo, sem
sucesso. Foi a visão mais aterradora que Pablo teve em toda a sua vida; o outro
homem sabia que seria vencido ali, na verdade ele resistia com tudo o que
tinha, mas aquela criatura de sombras parecia apenas estar se divertindo,
brincado com sua presa antes de devorá-la completamente; a disparidade de força
era evidente até para um simples ser humano perceber.
As sombras envolveram sua presa de forma a
escondê-lo dos olhos de Pablo. Havia vozes no ar, homens, mulheres crianças que
pareciam entoar um cântico macabro vindo sabe-se lá de onde; eram vozes
horripilantes que gemiam, gritavam e lamuriavam. Pablo pensou em correr, mas
suas pernas já não obedeciam, o terror o tinha paralisado. Ele levou alguns
instantes para notar que as vozes que ouvia estavam apenas em sua cabeça e eram
furto da influência da criatura que já o envolvia também com seus tentáculos,
sua paralisia provocada pelo terror também era causada pela criatura que já
havia violado sua mente e o consumia de dentro para fora. Pablo tentou gritar,
mas não conseguiu, não havia som saindo de sua boca, era como tentar acordar de
um pesadelo, e ao invés disso, tentáculos de sombra entraram e desceram pela
garganta do jovem como se quisessem possuí-lo. Ele estava completamente
dominado.
De repente um som indescritível surgiu também em sua
mente e Pablo teve uma visão, viu penas brancas sendo engolidas pelas sombras.
A criatura mudou sua forma mais uma vez, tornou-se algo como um monstro com
chifres e olhos vermelhos e por fim avançou definitivamente sobre Pablo.
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