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Serpente marinha



_O que poderia ser aquilo?
As duas bolas incandescentes vinham em alta velocidade dentro da água do mar em direção ao navio, a fragata União, designada também pelo alfa numérico F-45.
O alarme disparou momentos atrás por um dos sentinelas e chamou grande parte da tripulação ao convés, todos estavam muito aflitos para saber o que poderia ser aquelas duas bolas semelhantes a anéis de fogo navegando pouco abaixo da superfície d’água.
Era noite e o navio seguia do Rio de Janeiro para Miami; estavam agora em águas caribenhas.
Os sonares estavam captando algo que aumentava de tamanho conforme se aproximava, era uma coisa muito grande. Não parecia-se com nada que a tripulação experiente já tivesse visto em muitos anos de mar.
A correria aumentou em todos os postos de combate, a sirene soou mais uma vez e anunciava posições de batalha, soldados foram alocados no convés do navio munidos de armas, outros começaram a preparar torpedos e minas de profundidade. Dois alertas foram emitidos; um alerta de ataque, que informava ao primeiro distrito naval com sede no Rio de Janeiro que o navio estava em eminência de ataque, e outro alerta foi enviado para embarcações americanas não muito próximas emitindo um pedido de socorro.
A coisa nos sonares ganhou um tamanho inconcebível para ser algum tipo de navio ou mesmo submarino. No princípio, os superiores no comando do navio em questão levantaram a hipótese de estarem sob ataque de um submarino nuclear, mas logo desistiram dessa ideia, porém mantiveram o estado de alerta.
Lucas era um jovem estudante da escola de oficiais da marinha mercante que por ocasião de sua formação foi alocado em um navio de guerra a fim de acompanhar uma viagem para manobras e exercícios, ele estava entre os que do convés olhavam atentos para o mar, não podia acreditar no que seus olhos mostravam.

_ Duas bolas luz senhor!_ disse o jovem oficial relatando via rádio a visão tenebrosa a seu superior na ponte de comando, e continuou_ estão dentro do mar vindo em nossa direção.
As bolas luminosas dentro da escuridão noturna e marítima pareceram se erguer, mas não era possível ver muita coisa até que chegaram próximo demais do navio e todos se prepararam para o impacto, mas este não ocorreu, porém a água se moveu de forma estranha, uma onda chocou-se contra o corpo do navio que chiou e estalou, balançou de um lado para outro e arremessou tudo o que não estava preso a algo para o chão, inclusive os homens.
Lucas foi lançado cerca de três metros pelo chão e perdeu seu rádio de comunicação, de repente um esguicho de água como uma espécie de gêiser brotou do oceano seguido de um som terrivelmente fantasmagórico, o que quer que fosse aquilo estava vivo e era um animal, medonho e marinho. Lucas se ergueu, mas notou que muitos de seus colegas permaneceram deitados, muitos desmaiaram ao ouvir o grito agonizante da gigantesca besta do mar. O pânico tinha se instalado dentro do navio e dentro das pessoas que ali estavam, correria, gritaria, tiros a esmo, sinalizadores lançados no ar e no mar.
Lucas procurou entre as coisas que estavam no chão por um binóculo de visão noturna, não encontrou, mas os oficiais que estavam na ponte de comando ordenaram que todos os holofotes fossem acesos e apontados na direção onde aquilo tinha lançado água para cima. Não havia nem vestígio da coisa.
Com o coração disparado que mais parecia estar ligado em um transformador de energia elétrica, pronto para pular pela garganta, Lucas foi até o para-peito do convés e olhou para o mar agora iluminado pelas potentes luzes dos holofotes, olhou para os homens no chão as suas costas, alguns recebendo atendimento, outros olhando pelo para-peito do outro lado, ninguém fazia a mais remota ideia do que estava de fato ocorrendo.
Voltando a visualizar o mar com afinco Lucas ouviu alguém gritar:
_Vejam aquilo, meu Deus!
Um marujo apontava freneticamente para algum ponto na escuridão que logo foi iluminada pelos operadores dos holofotes apontando seus fachos de luz na mesma direção. Um tipo de dorso surgiu sobre o espelho d’água e como se não bastasse, uma espécie de barbatana enorme se abriu como um leque de quase dez metros. O corpo marinho serpenteou sobre a água alguns segundos e desapareceu em seguida. Não viram nem a cabeça da criatura nem a calda, mas a julgar pelo tamanho da barbatana, Lucas não queria ver o resto.
_ Mostro marinho!!_ gritava o marujo e teve de ser contido por seus colegas, entrou em estado de choque.
A situação era tão insólita que não sabiam mais o que fazer, seria necessário usar de artilharia pesada caso a criatura retornasse.
O mar se moveu novamente de forma violenta, os homens se seguraram onde podiam, outro soldado quase foi arremessado ao mar, felizmente ficou preso em alguma coisa.
Algo chicoteou a lateral da fragata do lado oposto ao lado para aonde as luzes estavam apontadas.
Alguém disse:
_Está brincando conosco! A besta está brincando conosco!
As luzes mudaram de lugar novamente e iluminaram aquele pedaço de mar, Lucas mudou de lado acompanhando os demais homens sobre o convés. As duas bolas de luz ressurgiram num ponto longe do alcance dos fachos disparados pelos holofotes, mas estavam vindo de encontro a eles.
A certa altura a criatura finalmente colocou a cabeça para fora d’água; parecia com aqueles dragões saídos dos quadros de William Blake ou Gustave Doré, mas era ainda mais estranho do que aquilo, sua face não parecia, na verdade, com nenhuma fera que Lucas já tinha visto, era como uma mistura de várias faces, sobre a cabeça erguia-se uma barbatana semelhante aquela que ostentava em seu dorso, mas em menor tamanho; aliás,  a julgar pelo tamanho daquela cabeça que mais parecia ter fugido de alguma fenda abismal que fazia divisa com o inferno, o monstro deveria ser bem maior do que a fragata. Era inacreditável, mas era verdade.
Lucas se lembrou de algo que tinha lido há muito tempo, na época que quando menino dedicava-se aos jogos de RPG com os amigos; uma passagem do próprio Blake que dizia:
“Por fim, a três graus de distância, na direção do oriente, apareceu sobre as ondas uma crista incendiada: lentamente elevou-se como um recife de ouro, até avistarmos dois globos de fogo carmesim, dos quais o mar se escapa em nuvens de fumo. Vimos então que se tratava da cabeça do Leviatã; a sua fronte, tal como a do tigre, era sulcada por listras de verde e púrpura. Em breve vimos à boca e as guelras pendendo sobre a espuma enfurecida, tingindo o negro abismo com raios de sangue, avançando para nós com toda a fúria de uma existência espiritual”.
_Leviatã_ pronunciou baixinho para si mesmo.
Independente do que Lucas e os outros marujos achavam a criatura avançou sobre o navio mais uma vez, a gritaria recomeçou; um estrondo retumbou na noite; Lucas se abaixou num reflexo de protege-se; era o canhão que havia disparado na direção do monstro. A água explodiu com fúria, não sabiam se tinham acertado o alvo até que a besta gritou novamente, um grito gutural e terrivelmente amedrontador.
A partir daquele momento tudo aconteceu muito rápido; sem que os homens pudessem se defender da fera que provavelmente era remanescente de alguma época próxima da criação do mundo, talvez fosse pré-histórica, não havia como saber. A serpente marinha ergueu-se metros e metros junto do casco da fragata, imediatamente um odor terrível também surgiu e empestou o ar noturno; algo como o cheiro de peixes em decomposição, os olhos de fogo olharam para os homens sobre o navio, pareceram olhar para as almas de cada um e em seguida o Leviatã mergulho novamente tão rápido que o navio tombou, por muito pouco não virou por completo. A serpente chicoteou o casco da fragata com a calda pré-histórica de forma a amassar o metal e Lucas escutou mais alguns gritos:
_ Homem ao mar_ ouviu.
Ele não tinha percebido que quando o monstro olhou para ele, seu corpo perdeu completamente as forças e pior, só quando sentiu o gélido abraço das águas do mar foi que percebeu que ele era o homem que fora arremessado ao mar. Não viu mais nada depois disso...

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