28 de Junho.
_ Olá, boa tarde; o que vão querer?_
Perguntou a balconista da lanchonete McDonald’s, com um sorriso forçado na
face. Já estava na décima hora de trabalho e ainda tinha mais três pela frente.
Ângelo olhava para os cartazes
promocionais nos quais estavam cada uma das promoções praticadas pela loja,
grandes imagens de hambúrgueres com muito ou pouco queijo, uma ou duas carnes,
bastante ou nenhum picles e várias opções de condimentos e combinações com os
ingredientes diversos. Os cartazes também mostravam copos enormes de coca-cola
em tamanho grande, médio e pequeno, sendo que o pequeno parecia médio, o médio
parecia grande e o grande parecia gigante; todos acompanhados de batatas fritas
extremamente sequinhas e douradas. Cada promoção era devidamente identificada
por um número, Mc 1, Mc 2, Mc 3 e assim por diante.
Os cartazes estavam acima de sua cabeça,
do outro lado do balcão e sob as máquinas de refrigerante, ocupavam o espaço de
quase toda a extensão do restaurante e Ângelo olhava de um anuncio para o outro
com uma séria indecisão, não pelos preços que demonstravam em tabelas laterais,
mas sim, pelo grau de satisfação que cada um poderia proporcionar ao
consumi-los.
Diana Moura de Lima, sua namorada, apertou
a mão dele como que repreendendo-o pela demora em decidir, havia outras pessoas
na fila atrás deles e todas tinham pressa para serem atendidas; a lanchonete
estava cheia de gente por todos os lados.Ela pediu:
_ Vamos querer o número dois, por favor._
sorriu para o namorado com um ar maroto de quem foi mais rápida no gatilho.
Eles tinham passado uma agradável tarde
juntos caminhando pelas lojas do Top shopping, localizado no município de Nova
Iguaçu, cidade onde moravam; passearam bastante e compraram alguns itens,
Ângelo comprou um relógio e uma caneta tinteiro em uma das relojoarias,
colecionava canetas como hobby e também tinha prometido dar um par de brincos à
namorada, mas faria uma surpresa, ela não saberia quando ele pretendia entregar
o presente que já estavam comprados e devidamente escondidos em casa. Em
seguida foram a uma das melhores lojas de calçados femininos onde Diana comprou
dois pares, uma sandália prateada de salto alto, muito brilhante, para ocasiões
festivas como natal ou réveillon e uma outra que na visão de Ângelo era muito
semelhante a primeira, exceto pela cor que era branca e pelo fato de não haver
tiras para segurar os pés, mas sim uma espécie de fivela; Ângelo não entendia
nada de calçados femininos.Ainda antes de sair da loja Diana gostou muito de
uma bolsa que compraram sob a promessa da vendedora de que levando as três
peças conseguiriam um desconto, que, levando apenas duas não poderia ser
concedido. Era a velha conversa de vendedores que todo mundo conhece muito bem.
A balconista do McDonald’s, uma jovem
baixa e morena, usava boné estampado com o logotipo da firma e grandes óculos
de grau na frente dos olhos negros, cabelos presos em um nó atrás do boné e
aparelho nos dentes; ela bateu o pedido na máquina registradora e gritou para
algum companheiro:
_ Um big Mac, fritas, refrigerante; tudo
grande!_ depois voltou-se para o casal e perguntou polidamente_ Quais são os
refrigerantes?
_ Guaraná. Ângelo respondeu rápido, para
que a namorada não tomasse novamente a decisão.
Ela deu língua para ele. Ele a beijou na
face.
_ Com mais quatro reais vocês também podem
acrescentar duas sobremesas de sorvete._ falou a menina.
Os namorados se olharam e responderam
praticamente ao mesmo tempo:
_ Pode incluir. _falaram quase em uníssono.
A menina do caixa sorriu ao ver a
brincadeira deles e fechou o pedido, entregou a nota fiscal e pediu que
aguardassem só um instante.
_ O pedido já vem_ disse ela apontando
para a ponta do balcão.
Eles saíram da fila e foram para o lugar
indicado, mas tanto ele quanto Diana perceberam os olhares curiosos da
balconista e caixa.
Outra menina trajando o mesmo uniforme que
a do caixa, porém com calças mais largas, já tinha colocado as bandejas sobre o
balcão e com uma destreza impar enchia dois copos grandes com os refrigerantes
tirados da máquina, não houve desperdício, nenhuma gota de refrigerante caiu
dos copos. Ela colocou os copos cada qual em sua bandeja, pôs tampas plásticas
sobre eles, colocou também canudos, guardanapos e condimentos em saquinhos
individuais; maionese, mostrada, ketchup e sal. Em seguida foi para junto de
outros funcionários que olhavam o casal de modo curioso e chamaram-na.
Ângelo olhou para o chão quando percebeu
que estavam falando algo e olhando em sua direção com certa curiosidade
transparecendo.
Antes que o pedido chegasse a mesma menina
voltou, após uma rápida confabulação com mais outras, trazia as sobremesas de
sorvete que colocou nas bandejas e foi até Ângelo e Diana que aguardavam na
ponta do balcão longe da fila de pedidos; a pequena funcionária fez uma
pergunta:
_ Desculpe, mas, você é o cara do parque
de diversões.
Ângelo ficou sem graça e chegou a dar um
passo atrás, inconscientemente, ruborizado. Quase perdeu a respiração.
A namorada riu um pouco e respondeu por
ele:
_ Sim, é ele sim.
_ Vimos você no jornal. Foi muito legal o
que você fez. Parabéns._ ela ria como uma colegial.
Outros funcionários e funcionárias
apontavam para ele lá de dentro e alguns dos clientes que faziam seus pedidos
queriam saber quem era a pessoa de quem estavam falando. Alguns o reconheceram,
mas sem se lembrar de onde. Um ou outro sabia exatamente quem ele era.
_ Obrigado._ murmurou.
_Ele é tímido_ disse Diana com ar
brincalhão.
Outro funcionário trouxe o restante
do pedido e arrumou nas bandejas. Momentos depois os dois namorados estavam
sentados comendo e conversando em uma das mesas da praça de alimentação do
shopping.
O top shopping era uma boa opção para
tardes em que não havia muito o que fazer, mas a cada ano o lugar parecia estar
ficando mais e mais cheio de gente. A cidade cresce a cada semestre com o
surgimento de empreendimentos comerciais e imobiliários diversos e o reflexo
podia ser nitidamente visto em lugares como o centro e o shopping.
Eles costumavam vagar pelos corredores
apinhados de pessoas, ir ao cinema, comprar algumas coisas e lanchar. Faziam
isso com certa frequência, mas não tanto que tornasse banal, geralmente uma vez
no mês.
_ E então; o que está acontecendo com
você?_ Diana notou que Ângelo tinha ficado um pouco na defensiva desde que a
balconista o tinha reconhecido.
_ Não é nada, só não fico muito à vontade
com essa coisa.
_Ora, a menina só queria ser gentil.
_ Eu sei, mas ainda é um pouco estranho
para mim.
Ele tomou um gole do refrigerante sugando
vagarosamente pelo canudo e depois comeu uma batata frita. Estava sem sal.
_Acho que você vai ter que se acostuma com
isso._Diana riu da timidez do namorado e também tomou um pouco do refrigerante.
Ele não era tímido todo o tempo, na
verdade, era muito desenvolto e articulado, falava super bem e era uma pessoa
com conteúdo, daquelas com quem se gosta de conversar por longas horas sem se
cansar, mas havia alguns poucos assuntos que o retraíam. Assuntos que ele tinha
dificuldade de lidar.
_ Acho que você tem razão.
Ângelo rasgou o saquinho de sal e
espalhou sobre as batatas. Sempre gostou muito de batatas fritas desde pequeno,
porém, com muito sal o que não era aconselhável.
_Quanto tempo faz?_ Perguntou Diana_ Seis
meses?
_Quase.
Uma outra menina, muito mais nova,
acompanhada provavelmente do pai se aproximou da mesa onde eles estavam, era
uma criança de aparentemente nove ou dez anos. Diana foi a primeira a ver.
_ Boa tarde_ disse o homem. A menina
olhava fixamente para Ângelo._ Me chamo Eraldo.
Diana achava aquilo a coisa mais
extraordinária do mundo, toda vez que seu namorado era abordado por alguém nas
ruas, no shopping e em tantos outros lugares diferentes; não era uma constante,
mas havia dias em que todo mundo parecia reconhecê-lo.Aquele dia parecia ser um.
As Pessoas o agradeciam e cumprimentavam
várias vezes. Certa vez eles estavam na praia e duas pessoas o reconheceram e
em outra ocasião tinham feito um passeio para a ilha de Paquetá e dentro da
barca, durante a travessia da Baía da Guanabara ele foi reconhecido por um
senhor.
_Boa tarde._Diana falou primeiro.
_ Boa tarde._Ângelo ia se levantando
educadamente.
O homem disse:
_Oh! Não se incomode, por favor, não quero
atrapalhar._ estendeu a mão para ele com um sorriso enorme nos lábios. A filha
dava pulinhos segurando à outra mão do pai.
O homem continuou:
_ Só queria cumprimentar a pessoa que
salvou minha sobrinha. Tanto eu quanto minha filha, Karen, queríamos agradecer
pessoalmente. Sempre tivemos vontade de conhecê-lo, mas nunca ouve condições
para isso.
Quando ouviu aquilo, Ângelo se levantou
num pulo e totalmente sem jeito apertou a mão do homem; em seguida olhou para a
menina que ainda olhava para ele com grande admiração.
Diana acompanhava o encontro com interesse.
_ Você é prima da Ingrid?_ Ângelo
perguntou.
A jovenzinha balançou a cabeça
positivamente. Estava envergonhada.
Há quase seis meses atrás, Ângelo foi o
protagonista de um episódio de heroísmo que marcou a sua vida e a de muitas
pessoas. Salvou uma menina chamada Ingrid de cair de uma roda gigante num
parque de diversões da cidade.
O homem disse:
_ Foi muita coragem sua, obrigado.
Diana perguntou à pequena Karen se ela
queria algumas batatas fritas.
_ Não foi coragem, não senhor, eu apenas
agi por instinto, eu acho.
_Seria muito mais fácil não ter feito
nada, mas você ariscou a vida para ajudar a Ingrid. Espero que Deus possa lhe
recompensar pelo bem que você fez, porque nós não podemos.
Ângelo não lembrava de ter visto aquele
homem no parque, mas na época tinham muitas pessoas, uma multidão, e obviamente
ele não falou com todas, embora tenha parecido que falou. O pai de Karen podia
estar acompanhando o irmão ou a irmã juntamente com esposa e filha numa espécie
de passeio entre famílias.
_ Desculpe, mas eu não o vi lá. Era
bastante gente.
Muitas pessoas cumprimentaram Ângelo no
parque naquela tarde heróica. Recebeu muitos tapinhas nas costas, abraços,
beijos e palavras de agradecimento; estavam todos muito emocionados com o que
tinham visto. Embora Nova Iguaçu seja um município grande, jamais houve notícia
de alguém fazer algo semelhante.
Ângelo se lembrava de um homem em
particular que surgiu do meio da multidão e lhe abraçou emocionado, um abraço
forte e firme, e disse que ele era uma pessoa especial. Nunca mais esqueceria
daquilo, o homem olhou bem no fundo dos seus olhos como se pudesse enxergar o
espírito por dentro da carne e falou as palavras:
“Você...é...muito...especial”. Aquelas palavras mexeram com Ângelo por um
motivo que só ele sabia, mas antes que pudesse se concentrar naquela pessoa,
muitas outras o puxaram de um lado para outro num verdadeiro turbilhão humano
regozijante. Não viu mais o outro homem, porém, não ia esquecê-lo jamais.
_Não, não estive lá naquela tarde. Fiquei
sabendo do acontecido pelo meu irmão, pai de Ingrid.
_Um bom homem._observou Ângelo. Em seguida
fez sinal com a mão para que tanto a pequena Karen quanto o pai se sentassem
com eles.
_Por favor, sentem-se conosco.
Novamente o homem sorriu e ao ver a filha
saboreando algumas batatas fritas com grande gosto, numa conversa de gente
grande com Diana. Falou:
_ Bem, como eu disse, não quero
interromper nem incomodá-lo por muito mais tempo, além do mais; Karen, eu e a
minha mulher, Lídia, vamos ao cinema e está quase na hora do filme começar, a
mãe dela foi comprar as entradas; estávamos passando e vimos você aqui, eu só
queria agradecer pessoalmente._ e tocando o ombro da filha pediu:_ agradeça ao
tio filha.
_Obrigada tio._Disse finalmente a menina
com a boca cheia de batatinhas.
Karen engoliu as batatinhas em seguida e
estendeu os bracinhos na direção de Ângelo que se abaixou e recebeu tanto o
abraço quanto um pequeno beijo da criança como forma de gratidão.
_ Que gracinha!_ Diana olhava a cena
profundamente tocada pela singeleza do gesto da menininha.
O pai falou novamente antes de ir embora:
_ Karen e a prima são muito próximas; não
sei se ela entende exatamente a grandeza do seu ato Sr. Ângelo, mas nossa
família sempre vai ser grata pelo que fez. Não tenha dúvidas disso.
Novamente o rapaz sorriu encabulado.
_ Não foi nada.
Antes de se retirar o pai da menina disse:
_ Espero que possamos nos encontrar nas
próximas festas que meu irmão organizar.
_ Vai ser ótimo._ Respondeu Ângelo.
Tanto o pai quanto a menina se afastaram e
Ângelo sentou novamente à mesa, olhou para todos os lados e se recostou na
cadeira quase indo parar debaixo da mesa.
_ Ela não é uma gracinha_ Diana falava da
pequenina que se afastava serelepe de mãos dadas com o pai.
Ângelo mordeu o hambúrguer e não
respondeu, estava com um olhar vago, pensativo.
_ O que foi que houve?
_ Nada. Eu só estava pensando. O que foi
que você disse?
_ A menina não é um anjinho?
_ É sim.
Diana comeu mais algumas batatas e
percebendo que seu namorado estava quieto, perguntou:
_ Não é o máximo essa coisa de ser
reconhecido nos lugares aonde você vai? É como ser uma espécie de celebridade.
Ângelo deixou escapar um som como de um
espirro que ficou aprisionado e respondeu:
_ No começo era, mas agora eu não sei.
_ Não sabe o quê?
_ As pessoas olham pra mim de uma forma
diferente.
Diana, sempre muito descontraída e
inteligente, entendia o que o namorado estava dizendo, mas queria fazê-lo
perceber que ele merecia receber os louros por uma ação tão altruísta e
corajosa. Era normal. Sobretudo nos dias atuais em que as pessoas pareciam se
importar cada vez menos com seus semelhantes.
_ Ora. Você salvou a vida de uma menina,
pelo amor de Deus, eles querem agradecer por algo que não há palavras que sejam
capazes de fazer.
_ Mas e quanto a todas as outras pessoas?
Você viu o pessoal do McDonald’s.
_Muito simples; todos viram você no
jornal, aliás, você saiu em pelo menos três jornais escritos e apareceu em
vários canais de televisão; alguns vídeos postados no YouTube passaram de três
milhões de visualizações. Essa cidade nunca teve um herói de verdade, acho que
a admiração deles é compreensível. Considere isso como um golpe de sorte; você
estava no lugar certo na hora certa, foi só isso; em pouco tempo todo mundo vai
esquecer de você; será notícia velha e vai ter saudades do tempo em que era o
queridinho da cidade. Aproveite seus “quinze minutos de fama”.
_ Pode ser.
Diana bebeu mais um gole do refrigerante e
continuou:
_ Eu queria ter ido ao parque também, mas
você não avisou a ninguém que ia.
Ângelo ficou quieto mais uma vez como que
trazendo de volta na mente todas as lembranças que tinha do incidente que lhe
concedeu status de herói instantâneo.
No episódio do parque, a roda gigante na
qual ele estava apresentou um defeito mecânico que nunca ficou bem esclarecido
e parou de funcionar de repente quando estava apinhada de pessoas em suas
gaiolas. Ela era a maior atração dentre os brinquedos do lugar e a mais
disputada também; a fila era enorme, mas valia a pena pela paisagem vista lá de
cima.
Era uma tarde com bastante sol e algum
vento tranquilo soprando vez por outra, mas nada que fosse capaz de afetar o
funcionamento do equipamento; tudo aconteceu muito rápido e as pessoas, tanto
as que estavam no brinquedo quanto as que aguardavam no deck de embarque no
solo, só perceberam que algo estava errado quando viram a garotinha pendurada
para o lado de fora de sua gaiola, presa apenas por um sinto de segurança que a
conteve pela cintura; tanto os pés da pequena Ingrid quanto as mãos estavam
soltas no ar a quase vinte metros de altura.
A mãe da menina, Patrícia, que tinha medo
de rodas-gigantes por causa da altura não quis embarcar no brinquedo e ao ver
sua filha sendo expelida da gaiola, aparada apenas pela fina correia do cinto
de segurança que a segurou no ar e com um estalo grotesco; desmaiou e foi
socorrida ali mesmo pelas outras pessoas que também aguardavam sua vez de usar
o brinquedo.
A correia do cinto puxou a criança que
bateu com violência na grade externa da jaula suspensa e tombou como se fosse
despencar de cabeça num mergulho mortal; várias mulheres no solo gritaram
desesperadas enquanto que os homens tentavam fazer com que o operador da
máquina concertasse o que quer que tivesse acontecido. Alguns mais exaltados
chegaram até a ameaçar de linchamento o funcionário do parque que nada pôde
fazer. Muitas outras crianças que também aguardavam com os pais para ingressar
no brinquedo olhavam para o alto com uma expressão de curiosidade e apreensão.
Todas as pessoas que entraram na
roda-gigante não perceberam nada de anormal, tudo estava perfeitamente em
funcionamento, inclusive, os equipamentos de segurança como os cintos dentro
das gaiolas e as travas e trancas das portas das mesmas. O parque havia passado
por uma manutenção preventiva dois dias antes e todos os brinquedos estavam tão
perfeitos quanto se nunca tivessem sido usados. Além disso, diariamente, antes
de abrir as portas ao público, um grupo de funcionários inspecionava cada um
dos brinquedos no parque seguindo uma rigorosa lista de checagem; passavam em
revista não só a roda gigante, mas também a montanha-russa, o barco viking e
todos os outros, até mesmo o carrossel infantil. O cuidado exagerado na verdade
se justificava, era uma forma de prevenção, porque nenhum parque quer ter de
enfrentar um processo por negligencia na manutenção dos equipamentos causado
por um acidente de usuário. E sem dúvida alguma os gastos com a manutenção
preventiva era irrisórios se comparados com as quantias cada vez maiores
pedidas em indenizações judiciais por lesão e ou danos morais. Infelizmente o
Rio de Janeiro colecionava alguns casos terríveis de acidentes em parques de
diversões.
Antes de a roda gigante interromper completamente
seu giro, ela emitiu um ruído alto, áspero e metálico, o som foi semelhante ao
rugido do Tiranossauro Rex do filme parque dos dinossauros, foi o que muitas
crianças pensaram, mas também pareceu como se alguma polia ou roda dentada
grande tivesse se retorcido dentro de suas engrenagens impedindo as demais de
funcionarem da forma correta, em seguida deu-se um solavanco forte seguido de
outro ainda mais forte e foi isso o que abriu a porta da jaula onde estavam
Ingrid e Héloi, arremessando a menina para fora. O trinco da grade da porta se
rompeu e alguns dos ferros retorceram. Mais tarde tudo aquilo seria atribuído
ao solavanco sofrido pela jaula que balançou com violência no ar catapultando a
menina. Mas no futuro os técnicos examinariam aquelas grades e ficariam
intrigados porque nenhum solavanco por mais forte que fosse poderia retorcer as
barras de ferro daquela forma.
O pai de Ingrid, Héloi, estava com a filha
no brinquedo, crianças só podiam andar na roda gigante acompanhadas de um dos
responsáveis, como Ingrid queria muito andar no brinquedo e a mãe dela sempre
teve fobia de altura, coube ao pai servir de acompanhante. Ele ficou tão
nervoso ao ver a filha saindo pela porta de sua gaiola como que arrebatada por
um fantasma invisível que não conseguiu desatar a fivela protetora do cinto;
num primeiro momento ficou sem ação por alguns milésimos de segundo e em
seguida gritou horrorizado pelo nome da filha, certo de que a tinha perdido.
Estavam na gaiola parada no ponto mais alto do trajeto, de lá podiam ver as
redondezas do lugar onde o parque ficava situado e até mesmo a casa onde
moravam. Não era longe do parque.
Helói ouviu a pancada da menina contra a
barra de ferro do lado de fora e o choro compulsivo da filha enquanto a correia
do cinto se partia vagarosamente; ele soltou o seu depois de lutar contra ele
por quase um minuto e foi até a porta da jaula, mas a menina estava fora de
alcance. Ele viu a multidão que acompanhava tudo lá de baixo; por duas vezes
tentou alcançar as pernas da filha que estavam a quase um metro de distância de
suas mãos. Era em vão.
Ângelo estava na jaula ao lado e viu tudo
o que aconteceu, presenciou o exato momento em que o corpo da criança foi
jogado pelos ares preso pela coréia na altura da cintura como se a menina estivesse
pulando de um “Bungee jumping” infantil.
Imediatamente soltou a fivela de seu
cinto, retirou a correia e abriu a porta de sua jaula. O vento era um tanto
forte lá em cima, bem diferente da brisa agradável que soprava lá em baixo, no
solo, quando do momento do embarque e, por causa desse vento a partir de um
determinado momento a menina começou a pendular de um lado para outro, ela
gritava amedrontada tentando se segurar nos ferros que passavam, mas estava
numa posição desfavorável que a impedia; de ponta a cabeça, porque com o salto
que sofrera na saída da gaiola a correia do cinto estranhamente foi parar nas
pernas prendendo-as como um nó de forca faria no pescoço de um condenado.
Ângelo não teve dúvida alguma, saiu da
gaiola onde estava e agarrando-se nos ferros como se fosse o próprio
Homem-Aranha começou uma decida em direção à criança; ouviu os gritos
desesperados do pai, mas não se deteve para ver de onde vinham, não queria
perder tempo, ele sabia que a correia que sustentava a menina presa estava se
rompendo e que cada segundo podia custar caro.
O mais rápido que pôde ele saltou de um
ferro para outro sob os olhares atônitos da multidão lá embaixo, saltou de
outro ferro para uma espécie de viga transversal repleta de grandes parafusos e
porcas gigantes de metal.
O brinquedo soltou outro grito metálico e
um novo solavanco fez com que ele soltasse uma das mãos; as pessoas paradas e
atentas lá de baixo prenderam a respiração e emanaram um ruído de espanto em
uníssono.
O rapaz que operava o brinquedo já havia
telefonado para pedir ajuda técnica do parque que chegou muito rápido, mas
ninguém conseguia achar o que estava causando aquela pane mecânica; os técnicos
já haviam feito manutenção preventiva nos brinquedos e não faziam a menor idéia
do que estava errado; talvez o nervosismo de todos vendo uma menina de cabeça
para baixo, um pai aos prantos, uma mãe desmaiada acudida por populares e um
homem pendurado por uma das mãos na estrutura metálica do brinquedo, fosse
demais e estivesse atrapalhando o processo de analisar e encontrar a causa da
pane.
Muitas das pessoas ali também tinham
telefonado para o corpo de bombeiro, algumas rezavam, outras choravam e a
algazarra que se formou atraiu gente de todos os outros brinquedos fazendo com
que o parque literalmente parasse suas atividades e ficasse apenas acompanhando
o desenrolar do incidente na roda gigante.
A multidão se aglomerou e, ansiosa,
esperava o desfecho de tudo aquilo, fosse ele qual fosse. Obviamente a maioria
absoluta torcia para que aquela situação terminasse com o melhor desfecho
possível.
Com apenas uma das mãos, Ângelo teve de
fazer mais força do que o que pretendia, a respiração estava acelerada e ele
pensou que fosse cair, mas logo recuperou a calma; tinha sido surpreendido pelo
terceiro solavanco. O ombro direito reclamou, uma dor fina nos músculos que
muito provavelmente era causada pelo estresse repentino sob o qual havia sido
submetido, mas ele conseguiu se endireitar e segurar com as duas mãos; suas
pernas balançaram no ar soltas como se fossem uma bandeira tremulando ao vento
da tarde.
Ele mordeu os lábios fazendo força para
que seus pés alcançassem uma trave onde pudesse se apoiar novamente com
segurança. Teve dificuldade de fazê-lo, mas finalmente conseguiu.
A menina gritava mais alto e mais
estridentemente e o pai com as mãos estendidas ao vento não tinha a menor
chance de alcançá-la.
Futuramente algumas pessoas da multidão
diriam que não tinham esperança de que o salvamento fosse realmente acontecer;
uma senhora chamada Maria Auxiliadora que também estava acompanhando os netos e
viu tudo acontecer, ao ser entrevistada por uma das emissoras de televisão,
quando perguntada afirmou que só estava esperando que a menina caísse porque
era praticamente impossível que o homem pendurado nos ferros conseguisse chegar
até ela. Essa declaração foi ao ar no dia seguinte, completando uma reportagem
que deu todos os detalhes do incidente.
Ângelo saltou da viga para uma barra
diagonal e ficou bem perto de alcançar a criança, mas ainda não era o
suficiente, teria de descer mais um pouco. Tentou esticar a mão e segurá-la
pelo tornozelo, mas havia pelo menos um palmo de distância entre a mão dele e o
pé de Ingrid. Mesmo se esticando ao máximo.
Outras pessoas que estavam nas demais
gaiolas também acompanhavam o resgate; alguns gritavam palavras de incentivo
para Ângelo e outras ligavam para parentes e amigos a fim de narrar o que
estava acontecendo. Tudo aquilo era muito mais insólito do que qualquer coisa
que já tinham visto.
De fato, alguém teve a idéia de gravar
tudo com seu telefone celular e provavelmente ao ver a primeira pessoa fazendo
o registro através da pequena câmera de vídeo, muitos outros resolveram fazer o
mesmo. Houve um momento em que a maioria dos que estavam presentes ali também
estavam gravando. Vez por outra espocavam luzes no meio da multidão como se
estivessem fotografando com câmeras digitais.
Os braços e ombros de Ângelo doíam juntos
e nem sempre havia suporte para que ele pudesse colocar os pés entre uma barra
e outra o que tornava a empreitada ainda mais difícil e a decida mais extenuante
na medida que, às vezes, tinha de fazer todo o esforço com os punhos,
segurando-se firme nas barras de metal e sustentando todo o seu peso com os
braços. Mesmo com o vento que soprava Ângelo suou frio e chegou a pensar
novamente que não seria capaz de resgatar a menina antes dela se precipitar
para o solo. Procurou manter o foco, era a única chance que tinha, não admitia
pensar em nada que não fosse alcançar a garotinha e levá-la para o chão, sã e
salva.
Foi preciso mais um salto calculado e bem
realizado para colocá-lo numa posição em que pudesse alcançar Ingrid com certa
comodidade e foi o que fez; agarrou ela rapidamente para não correr o risco de
perdê-la com um novo solavanco grotesco do brinquedo e antes de decidir o que
ia fazer ainda teve tempo de perguntar o nome da criança tentando fazer com que
se acalmasse. Ouviu os gritos de alegria da multidão no solo e das pessoas nas
outras gaiolas, mas estava tão concentrado naquilo que fazia que os gritos
soaram para ele como sons distantes. Não teve a noção do alívio que
proporcionou a todos naquele momento.
A menina se agarrou ao pescoço dele com
uma força tal que quase o sufocou; Ângelo pensou em escalar novamente até a
jaula de onde pendiam os braços impotentes e desesperados do pai, mas logo desistiu
dessa idéia, não havia possibilidade de efetuar uma subida bem sucedia,
sobretudo, carregando um peso extra; os espaços vagos entre as barras e vigas
de ferro eram largos demais e seu braço jamais alcançaria o apoio da viga
superior, logo, a única alternativa era descer carregando a menina.
Dois enfermeiros prestavam atendimento
emergencial tentando reanimar a mãe de Ingrid, e ela estava retornando a si,
mas não viu o exato momento em que a filha foi alcançada pelo homem que saltava
nas vigas nem a explosão eufórica dos espectadores quando ele a alcançou.
Algumas pessoas aplaudiram timidamente porque a tensão ainda era tão grande que
parecia haver uma presença pesada carregando o ar.
Ângelo teve um pouco de dificuldade para
soltar os tornozelos da menina, mas depois de alguns segundos tentando
finalmente conseguiu.
Iniciou a decida de modo cauteloso e muito
mais vagarosamente do que o que tinha feito até aquele momento. Ingrid
choramingava presa ao pescoço de Ângelo de modo que estava tornando os movimentos
dos braços dele muito menos fluídicos; logo nos primeiros momentos de decida
carregando a criança ele percebeu que o peso dela, embora fosse relativamente
pequena, faria com que cansasse mais rapidamente, mas não tinha mais escolha e
teria de agüentar firme.
Não podia mais saltar de uma viga para
outra e seus pés quando apoiados nas barras de cima não conseguia alcançar as
mais inferiores, Ângelo tinha que soltar os pés, deixando as pernas livres no
ar e se estender, ficando, ele e a menina, dependurados apenas pelos braços
dele e mesmo assim tinha que se esticar o máximo que conseguia até que a ponta
dos pés tocassem na viga abaixo. Foi preciso muito equilíbrio e uma força que
Ângelo pensou não ser capaz de demonstrar.
A todo o momento ele procurava falar com
Ingrid tentado acalmá-la mais e mais, estava dando certo por mais incrível que
pudesse parecer, mesmo arfando e respirando de modo ofegante ele perguntou para
ela o nome dos pais, perguntou também se ela estudava, se tinha colegas, e uma
série de coisas semelhantes.No começo Ingrid permaneceu de olhos fechados
choramingando e apertando o pescoço dele com força, mas logo ela começou a
responder, ainda que de forma chorosa, a cada pergunta que Ângelo fazia. Era
uma menina mais forte do que seu corpo infantil franzino e sua pouca idade
pressupunham. Rapidamente a menina conseguiu se desvencilhar do pesadelo pelo
qual estava passando e percebeu que não corria mais tanto perigo quanto antes.
A cada metro mais perto do solo, mais
Ingrid se mostrava mais aliviada e afrouxava o abraço poderoso que dera em
Ângelo. Eles desceram os último cinco metros praticamente conversando, e embora
a menina estivesse com os olhos vermelhos pelo choro e medo pelo qual passou,
sua voz já não estava mais embargada quando os pés dela tocaram o chão.
A multidão explodiu num frenesi de jubilo
absurdo, só comparado ao visto em dias de jogos da Seleção Brasileira nas
finais de copa do mundo quando do momento de um gol. Todos aplaudiram,
assobiaram e gritaram sem parar; muitos desconhecidos se abraçaram demonstrando
a felicidade que foi ver aquele resgate insólito bem sucedido, uma comoção que
ele não esperava tomou conta das pessoas. Algumas mulheres se emocionaram tanto
que choraram e alguns homens também.
Ângelo estava cansado e suado pela grande
quantidade de energia que teve de desprender para realizar aquilo, ele não era
um homem com porte físico avantajado, embora procurasse manter o preparo
consideravelmente bem controlado, não era sedentário. Não tinha músculos
definidos trabalhados em horas de academia, mas praticava esportes
regularmente; gostava de nadar, jogar futebol, foi adepto do Taekowndo durante
algum tempo e dava suas corridinhas três vezes por semana, mas nada daquilo o
credenciava para fazer aquele salvamento. Mas mesmo contra todas as
possibilidades o fez.
Foi cumprimentado durante horas, todos ali
queriam apertar a mão do herói da tarde, muitos tiraram fotos com ele; e quando
pensou que já tinha terminado foi surpreendido pela presença de fotógrafos de
um jornal local que foram acionados via telefonema de uma das pessoas do parque
e chegaram em tempo recorde. Eles queriam algumas declarações e, obviamente
várias fotos; a maioria delas seria descartada na manhã seguinte.
A mãe de Ingrid já estava melhor e
abraçava a filha com aquela alegria característica das mães, eram abraços
repletos de alívio, alegria e amor. Algum tempo depois os técnicos finalmente
conseguiram fazer com que a roda-gigante voltasse a funcionar, jamais souberam
explicar o motivo da pane; pouco a pouco as pessoas que também tinham ficado
presas nas gaiolas que ainda estavam suspensas foram saindo, inclusive, o pai
de Ingrid que fez questão de ir agradecer a Ângelo pelo feito digno de um anjo
da guarda.
Ele foi acompanhado de Patrícia que trazia
a filha no colo, não se separariam tão sedo. Aquela era o tipo de experiência
pela qual ninguém devia passar, mas que em acontecendo e sendo superada tornava
os laços afetivos ainda mais fortes do que antes.
Os três conversaram rapidamente em meio a
multidão que comemorava, os pais da menina afirmaram que não tinham palavras
para agradecer e depois de alguns abraços eufóricos e emocionados regados por
lágrimas de gratidão e satisfação de todos eles, Helói deu a Ângelo o telefone
de sua casa, sabia que não poderiam conversar por muito tempo ou demonstrar de
modo pleno sua gratidão ali no parque, as pessoas gritando, comentando e
aplaudindo com entusiasmo não deixariam, mas futuramente esperavam que o anjo
da guarda de Ingrid se tornasse amigo da família. Ângelo recebeu o número
anotado às pressas em um pedaço de papel rasgado de um saco de pipocas ou
amendoim e sorriu encabulado. Aquele era um troféu de grande valor, mas não se
comparava com a satisfação de saber que tinha ajudado uma família e salvado uma
vida. Isso sim era incalculável.
Depois daquele breve contato eles só foram
se ver novamente uma semana depois, porque no parque cada um deles foi tomado
para dar entrevistas tirar fotos e contar à sua maneira o que e como tudo tinha
acontecido para os repórteres que chegaram bem mais tarde; espectadores também
deram seus testemunhos. Todos pareciam ter uma história para contar.
Aquela festa se estendeu até quase o
início da noite, Ângelo foi o mais solícito que pôde e falou com a maioria dos
repórteres, tanto os locais quanto os de fora da cidade; tirou fotos batidas em
celulares com diversas pessoas, deu sua versão resumida do que aconteceu e de
como agiu para salvar a menina. Não queria puxar a glória do salvamento para si
e preferia se esquivar dos elogios dizendo que qualquer outro em sua situação
teria feito o mesmo.
Quando já estava tudo praticamente
resolvido, restando apenas alguns pequenos grupos querendo falar com ele, o
homem apareceu. Aquele homem que ele jamais esqueceria. Durante dias Ângelo
chegou a alimentar a idéia de que aquela pessoa podia ter causado o problema do
brinquedo, talvez quisesse atingir o parque por algum motivo, alguém como um
funcionário demitido de forma injusta, por exemplo; ou talvez estivesse mais
interessado em ferir ou matar alguma pessoa que estava na roda gigante naquele
momento. Poderia estar respirando uma vingança mortal por qualquer motivo. Na
atual conjuntura social do Brasil e do mundo a única certeza era a crescente
formação de pessoas desequilibradas pelos motivos mais diversos e banais. Nesse
caso Ingrid seria um efeito colateral; mas tudo aquilo não passava de
suposição. O certo era que a face daquele homem e a forma como ele dirigiu as
palavras, olhando para o interior dos olhos de Ângelo ficaram gravadas na
memória dele.
Ângelo desistiria de fazer conjecturas
concluindo que o incidente ocorreu e as causas poderiam ser qualquer coisa ou
poderia não ser coisa alguma além de um simples defeito no maquinário.
Nunca mais viu o tal homem e a história do
salvamento no parque ganhou proporções que o herói não podia imaginar; na mesma
noite a internet propagou as imagens gravadas no parque, mais de cem vídeos
mostrando vários pontos de vista e perspectivas diferentes foram postados por
internautas no site “YouTube” e as visualizações passariam de três milhões nos
meses futuros. O sucesso na rede referendava a bravura do ato e os vídeos
também foram usados em rápidas reportagens na televisão por vários canais.
Ângelo chegou a ser procurado por um programa de entrevistas com um dos maiores
apresentadores da televisão brasileira, mas incrivelmente declinou do convite.
Nenhuma das pessoas mais próximas compreendeu a causa da recusa.
Uma tarde que começou bem teve tudo para
terminar em tragédia, mas o final foi feliz para a família de Ingrid que teve a
sensação de nascer novamente.
Ângelo alcançou os tão falados quinze
minutos de fama e aquilo era apenas o começo, cinco meses depois ele ainda
seria reconhecido por toda parte. E aquilo era um pouco incomodo para ele, não
era um herói e nem queria tomar tal título sobre si; na verdade tinha medo de
ser colocado sob as lentes da mídia ou sob os olhares ávidos e atentos das
pessoas. Não era ou não se considerava especial como disse o estranho homem no
parque e como a maioria da população do mundo, ele também possuía segredos
escondidos que gostaria de deixar nas sombras à margem da luz. Segredos cuja
face talvez pudesse assustar o mais corajoso dos homens.
Ele terminou de comer o hambúrguer sob o
olhar brilhante de Diana.
_ Foi uma tarde e tanto, aquela._ disse.
A namorada também estava terminando seu
lanche.
_Eu sei que você é um pouco tímido, mas
isso é normal.
_ Acho que você tem razão.
_ É claro que tenho._ disse Diana brincando_
Eu sempre tenho razão; até quando estou errada eu tenho razão. Já devia saber
disso.
Ela conseguiu tirar um sorriso apertado do
namorado.
_ Às vezes eu não entendo essa sua recusa
em receber elogios e felicitações pelas boas coisas que faz.
Ângelo balançou a cabeça de um lado para
outro.
_ É apenas um desconforto, sabe, não me
sinto como eles dizem; não sou melhor do que ninguém.
_ Ninguém disse que era.
_Gosto de sua sinceridade!
_Obrigado.
Diana colocou a mão por sobre a mesa e
segurou na dele que retribuiu o aperto carinhosos, ele recebia os louros da
vitória, não somente pelo que tinha feito no parque de diversões, mas por ser
uma pessoa sempre envolvida em procurar tornar a realidade a sua volta em algo
melhor; costumava ajudar ainda que com uma pequena quantia a três centros de
ajuda: um asilo, um orfanato, e uma casa de acolhimento de animais abandonados;
da mesma forma, sempre procurava se engajar em projetos e programas sociais e
de cunho ambiental. Ângelo era o tipo de pessoa que não fugia de fazer a sua
parte no mundo cada dia mais caótico, mesmo que todas as outras não fizessem as
suas. Não era por acaso que os pais dele tinham dado aquele nome para ele,
previam que seria um homem consciente de seus deveres junto à sociedade,
politizado e sempre em busca de dar a sua contribuição. Diana o admirava também
por isso.
Porém na visão dele, Diana era muito mais
forte do que ele jamais seria, era aquela força combinada à inteligência que
tinham feito com que se apaixonasse.
Ângelo não conhecia a si mesmo por
completo e havia coisas dentro dele que o incomodavam, segredos que carregava
desde que se entendia por gente e pensamentos que começavam a se tornar
difíceis de sufocar. Gostaria de compartilhar suas dúvidas com a mulher que
amava; talvez ela pudesse lançar luz sobre ele onde ele mesmo estava falhando
em fazê-lo. Por outro lado teve medo de que seu segredo fosse algo com que
Diana não pudesse lidar, mas tinha de tentar.
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