15 de Janeiro.
Chuva grossa e pesada fora da casa.
Os dois tiros estouraram o espelho
grande e redondo pendurado na parede do quarto, o objeto se espatifou como se
relâmpagos de vidro tivessem percorrido toda a superfície reflexiva e os
estilhaços saltaram para várias partes distintas; o som dos pedaços caindo,
tanto os maiores quanto os menores e mais uma chuva semelhante a purpurina, se
misturaram aos ecos dos estampidos.
Ricardo sorriu como um assassino
furioso e enlouquecido; a face empalidecida pelo medo, apontando a arma na
direção de onde antes estava seu reflexo, porém não era o próprio reflexo o que
ele tinha visto no espelho momentos atrás e sim um vulto amorfo que já o
perseguia, uma figura disforme que o estava atormentando há muito tempo e com a
qual ele não queria mais conviver.
Naquele momento só havia um monte de
estilhaços no chão. Ricardo se aproximou, olhou para os cacos espalhados no
solo recoberto de tacos de madeira pouco encerados de seu quarto e viu vários
reflexos seus em tamanhos reduzidos; era uma sensação como a de encarar os olhos
multifacetados de um inseto qualquer que estivesse brotando do piso do quarto
de uma maneira sobrenatural. Por um momento ele teve medo de que cada um
daqueles pequenos Ricardos fossem saltar, libertando-se, de dentro de seus
respectivos pedaços de espelho e ganhassem vida como miniaturas demoníacas de
si mesmo. Estava enlouquecendo.
_ Morra! Fantasma; morra!_ gritou.
Pisou nos cacos de espelho espalhados
com uma raiva incontida que surgiu afastando o medo temporariamente, e, fez
questão de destruí-los ainda mais, ouviu o estalar de alguns deles sendo
prensados e quebrados pela sola dos sapatos contra o piso; se uma pessoa o
visse poderia julgar que estava dançando enquanto os vidros quebravam sob seus
pés. A última coisa que ele queria era ter que enfrentar um exército de
pequenos demônios em formato humano com sua feição; por um momento pensou em
gnomos e duendes, diabretes diversos e homúnculos; durante muito tempo da vida
ouviu falar de tais criaturas como sendo personagens integrantes de folclores
antigos, de filmes e de vários livros, mas da forma como as coisas estavam se
desenrolando em sua vida, todo cuidado ainda seria pouco.
Alucinado como uma pessoa que viu uma
aparição medonha saída das profundezas; ele se virou assustado; pensou ter
visto o vulto passando pelo corredor. O vulto de uma pessoa, o mesmo vulto que
o observara poucos minutos atrás no espelho. Certamente a criatura não estava
aprisionada lá, mas sim, livre para assombrá-lo fazendo um jogo de “gato e
rato” com ele em sua própria casa.
O quarto estava praticamente todo
destruído e com marcas de tiros por todas as paredes e nos objetos também. As
cortinas que antes emolduravam as janelas ao fundo tinham sido arrancadas de
seus trilhos que estavam retorcidos, a cômoda jazia aberta e sem as gavetas
onde antes havia um número exagerado de roupas e pertences pessoais tanto de
Ricardo quanto de Mônica Soares Martins, sua mulher; na verdade ex-mulher.
Todas as gavetas estavam no chão e por debaixo da cama totalmente destruídas.
Dois quadros, que antes adornavam as paredes, comprados satisfatoriamente por
ela numa pequena feira de arte em Paraty, município no Sul do estado do Rio de
Janeiro, muito famoso por suas ruas históricas e as anuais feiras literárias,
as FLIPs. Uma réplica barata de A persistência da memória do pintor catalão
Salvador Dali e o quadro de uma pintora e artista plástica local retratando a
igreja de Santa Rita de Cássia, igreja antiga localizada no centro histórico do
mesmo município. Ambos os quadros estavam agora jogados também ao chão e
retorcidos como se tivessem sido submetidos a um fogo causado por combustão
espontânea.
O guarda-roupas não estava em seu
devido lugar, fora arrastado por alguma força estranha que permanecia em
atuação naquele lugar, havia uma presença dentro daquela casa, uma presença
maligna que tornava o ar pesado, viciado e mais lento, mas Ricardo não sabia se
aquilo era real ou se sua mente já perturbada estava criando sensações com as
quais ele não conseguia mais lidar.
As portas do guarda-roupa, abertas,
também tinham as marcas de um fogo etéreo que Ricardo não vira queimar. O
criado-mudo, embora feito de cerejeira estava obscurecido como se fosse
confeccionado de carvão puro, era o móvel que tinha sido mais vitimado pelo que
parecia ser um fogo que surgiu e sumiu antes que Ricardo chegasse em casa
naquela noite chuvosa.
O computador tinha a tela do monitor
rachada e certamente inutilizada, o material plástico do revestimento do
gabinete também derretera e as partes metálicas estavam escuras, mouse, teclado,
caixas de som e câmera de internet também já não poderiam ser usadas; tudo
estava destruído.
A televisão antiga jazia num canto com
um buraco de bala bem no centro, tinha sido atingida pelo próprio Ricardo no
segundo surto que teve logo que entrou no quarto e era uma das coisas ali que
não haviam sido submetidas aos fenômenos caóticos que aparentemente dominavam a
casa.
A cama estava sem colchão e mostrava o
estrado que fora destruído por golpes de ponta a pés; Ricardo viu a cama se
mover sendo arrastada levemente e saltou sobre ela como se aquele objeto fosse
o inimigo que o estava perturbando. Ele estava ficando mais do que atormentado,
precisava sair da casa, sua própria casa, mas por outro lado sabia que se
continuasse fugindo jamais teria sossego outra vez; o monstro ou a coisa o
perseguiria em qualquer lugar em que ele se escondesse. Tinha certeza disso;
podia sentir. Era como se a criatura fosse uma parte antiga dele mesmo.
_ Você ainda está aí?_ Perguntou
Ricardo. Sobressaltado, apontou a arma de um lado para outro.
A arma que Ricardo empunhava naquela
noite era uma pistola Beretta 93R, a arma de calibre 9 mm fora comprada de
forma ilegal, era o tipo que ele mais gostava, suficientemente leve e pequena
para ser transportada facilmente em um coldre ou sob a camisa e poderosa o
bastante para ser mortal. Esta Beretta combina as funcionalidades de uma
pistola com uma submetralhadora, disparando rajadas de três munições no modo
semi-automático com um único acionamento de gatilho ou apenas uma no modo convencional.
Embora na cabeça de Ricardo uma arma como aquela não fosse eficaz contra a
criatura que o estava perseguindo, ainda assim ele usava, tinha passado por
muitas coisas nos últimos meses, visto muitos seres estranhos e alguns deles
eram tão reais quanto qualquer pessoa comum. Ao menos pareciam.
Não ouve resposta alguma, mas ele sabia
que a criatura estava dentro da casa, não entendia como tudo aquilo podia estar
acontecendo; como podia ter atraído um mal tão pernicioso para dentro de sua
vida, para junto dos que amava e para o seio de seu lar.
Ele correu e se recostou na parede
segurando a arma com ambas as mãos como um atirador profissional treinado
faria. Não queria ser surpreendido pelo que quer que estivesse vagando dentro
da casa.
_ Não adianta se esconder; eu vou
encontrar você._ gritou novamente, mesclando riso débil e choro engasgado.
Não havia coragem alguma naquelas
palavras, mas sim completo desespero.
Alguns sons soaram vindos de outros
cômodos, mas eram fracos e pareciam vozes sussurrando coisas, lamentando,
murmurando e cochichando. As vozes ora pareciam infantis, ora pareciam
femininas e ora masculinas. Tentou entender o que diziam, mas não foi capaz;
era como se estivessem conversando em uma linguagem incompreensível, talvez
alguma língua estrangeira. Ou talvez uma língua morta.
Ricardo falava três idiomas e além do
português; falava bem o Inglês, falava muito bem o espanhol e conhecia francês
o bastante para se comunicar razoavelmente com qualquer nativo sem passar
apertos; havia trabalhado muito tempo como recepcionista em um hotel em
Botafogo, zona sul do Rio, isso na época que ainda conseguia trabalhar, antes
das vozes se tornarem um tormento diário que o fez abandonar o emprego. Mas
mesmo assim não conseguiu captar nenhuma palavra familiar no que estava sendo
dito; talvez sua loucura recém adquirida estivesse atrapalhando as faculdades
mentais. Pelo que ele estava ouvindo aquela linguagem poderia ser norueguês, ou
suaíli, grego arcaico, Siríaco ou qualquer outro idioma que desconhecia; mas
também poderia ser uma forma de comunicação usada entre os mortos ou até mesmo
desenvolvida por uma raça de anjos renegados ou demônios da antiguidade.
Ricardo não tinha a menor idéia e estava espantado com como sua mente
desvairada podia viajar em suposições num momento tão crítico quanto aquele.
O dono da casa olhou para a janela do
outro lado do quarto, estava aberta, os tacos do chão daquele lado do quarto
estavam parcialmente molhados e lá fora a chuva e a noite tinham dado as mãos
para tornar aquela na pior madrugada de sua vida. Teve medo de que algo
surgisse pela janela tentando pular para dentro do cômodo; algum pesadelo
ancestral reanimado pela maldade da presença profana que pairava no ar.
Percebeu que se aquela situação não fosse real e terrivelmente trágica, seria
hilária e cairia muito bem em qualquer filme de paródia-terror do cinema. Um
homem assombrado por algo que ele não sabia ser totalmente real ou não.
Ele sorriu novamente de um modo
lunático e trêmulo como um homem em avançado processo de perda da sanidade.
_ Socorro!
Pensou ter ouvido alguém pedir ajuda no
outro cômodo, o que era impossível, não havia pessoas dentro da casa, só
vultos.
Se movendo lentamente para baixo
Ricardo recolheu do chão um pedaço de espelho que não se partiu totalmente com
sua dança histérica para quebrá-los; o espelho era grande o suficiente para
produzir um reflexo do corredor para o quarto e pequeno o bastante para não
chamar atenção. A arma 9 mm ficou na mão esquerda, ele era canhoto e atirava
tão bem que podia acertar uma garrafa pet de refrigerante em uma distância de
dez metros, mesmo se estivesse em movimento, com uma precisão assombrosa, claro
que com a Beretta isso era improvável por se tratar de uma arma para curtas
distâncias, mas com um pouco de sorte talvez fosse possível.
Teve de aprender a atirar quando
percebeu que a vida estava saindo do controle; Ricardo passou a ser assediado
por sonhos ruins noite após noite, passou a ter visões, ouvir vozes em pleno
dia e pouco a pouco foi perdendo tudo o que tinha construído na vida com tanto
esforço. Ficou neurótico, deixou o emprego no hotel e foi abandonado por sua
família; pensaram que ele estivesse envolvido com drogas pesadas. Seus amigos
também imaginaram o mesmo e não o procuraram mais.
Eles não suportaram conviver com uma
pessoa que dava claros sinais de insanidade, mas que nunca admitiu; ele sabia
ou achava que aquilo não era loucura e sim uma espécie de dádiva não
compreendida, sabia também que devia fazer algo com aquele dom, não podia
deixar que ele se perdesse. Tinha uma missão a cumprir, mas não sabia qual era.
As vozes não paravam de falar durante dias e Ricardo foi levado a cometer
alguns atos dos quais se arrependera amargamente.
Quando sua família o deixou ele passou
a praticar tiro para se defender; na mente de Ricardo ele julgava estar
constantemente sendo seguido, diariamente, cada minuto do dia. Costumava ver um
homem que o observava em várias ruas e lugares diferentes, nunca falou com ele,
mas estava sempre lá como um espião ou um guardião. Tinha certeza de que o
rosto do homem era conhecido, mas não se lembrava de onde e nem quem ele era.
O pânico se instalou no coração dele e
foi quando chegou ao fundo do poço, o lugar mais baixo e mais escuro em que já
esteve na vida, até aquele momento, ficou semanas trancado dentro de casa sem
querer sair, suportando as vozes que dia e noite tentavam impeli-lo a atos que
não queria fazer, ele julgava errado, mas as vozes asseguravam que eram para um
bem maior e que daquilo dependiam vidas de pessoas inocentes, algumas que nem
eram nascidas ainda.
Segurou o espelho e inclinou-o
levemente pelo limiar da porta num ângulo que pudesse observar o outro
ambiente. Não havia ninguém lá.
O corredor de aproximadamente três
metros de extensão possuía duas portas, uma de cada lado e uma última no final,
todas abertas. Estava bem iluminado, mas tinha manchas de sangue nas paredes. O
que não se justificava porque ninguém havia sangrado dentro de casa; podia ser
apenas uma visão.
O suor molhava totalmente a face do
homem abaixado ali naquele quarto, seu coração batia como a máquina de um trem
a vapor e cada músculo de seu corpo estava tenso a ponto de se romper.
_ Que Deus me ajude._ sussurrou.
Ele se levantou e deu o primeiro passo
vacilante para fora do quarto, depois deu outro e começou a caminhar
lentamente, estava em estado máximo de alerta; o peito doía no lado esquerdo e
a dor começava a se irradiar para o braço também.
Ouviu algo, mas não teve certeza de se
era realmente som físico ou se foi produzido por sua mente. Como se não
bastasse tudo aquilo, ele tinha que tentar constantemente discernir o que devia
ou não dar atenção. Talvez um homem em perfeito estado mental pudesse se dar
bem numa situação igual, mas uma pessoa com o estado mental terrivelmente
alterado como ele não tinha muitas chances de êxito.
As duas portas do corredor ficavam
exatamente uma de frente para a outra e ambas estavam abertas, as luzes acesas
como a do restante da casa. Ricardo mantinha a respiração presa sem perceber e
caminhou até chegar às portas; ao fundo no final do corredor era a porta que
dava para a cozinha e ele tinha certeza de que a criatura o esperava lá.
O medo e a ira se misturaram no sangue
dele gerando uma miscelânea de sentimentos estranhos. Cada pêlo dos braços e da
nuca estavam eriçados, e o estomago revirando-se em contrações espasmódicas; a
criatura estava muito perto; a casa parecia pulsar.
Encostado na parede direita exatamente
ao lado da porta ele apontou a arma para o cômodo em sua frente, era o banheiro,
depois cuidaria daquele lugar se fosse preciso ou se sobrevivesse aos demais;
ergueu o pequeno pedaço de espelho e olhou o reflexo gerado pela porta a seu
lado, era a sala e alguma coisa se moveu lá dentro fugindo do raio de ação do
espelho, mas o som provocado foi surdo.
O pulsar sobrenatural no ar continuava
e aquilo causava nele uma sensação de que não conseguia puxar oxigênio para
dentro dos pulmões como deveria, não importava quanta força fizesse para
aspirar.
Ricardo teve o pressentimento de que ao
entrar na sala ia se deparar com alguma criatura insectóide gigantesca, algo
como uma barata com suas antenas longas varrendo a sala, patas e corpo
revestido por uma couraça avermelhada e envernizada e as peças bucais
movendo-se freneticamente e deixando cair um líquido gosmento sobre o chão
acarpetado; ou, a criatura também poderia ser uma aracnóide enorme com suas
patas peludas e olhos triplos ou quádruplos. Lembrou de seus vários reflexos
nos cacos de espelho no quarto. As criaturas que ele imaginava naquele momento
poderiam ter sido facilmente libertadas do próprio inferno por algum
anjo-guardião desleixado, ou podiam ser fugitivas de alguma zona de caos
absoluto, daquelas que os seres humanos sequer têm coragem de imaginar; pelo
menos não os seres humanos sãos.
Não tinha escolha; Ricardo devia
enfrentar aquilo ou certamente morreria. Ele concordava que merecia isso, mas
devia haver alguma forma de desfazer todo o mal que tinha propagado. Além do
mais, o espelho em sua mão não tinha revelado inseto gigante algum na sala e
todas aquelas imagens estavam apenas em sua cabeça.
O braço segurando a arma estendido no
ar em direção a porta do banheiro era uma precaução para o caso de alguma coisa
sair e tentar contra ele; Ricardo não sabia quantos inimigos estava enfrentando
exatamente, tinha visto um no quarto, dentro do espelho, e ao menos aquele ele
tinha certeza de que não era invenção de sua cabeça, mas poderia haver uma
horda inteira dentro da casa. Porém, com o cansaço as forças de Ricardo estavam
falhando e o braço tremia; parecia mais pesado do que realmente era.
_Apareça de uma vez!_ Sabia que não
surtiria efeito.
Ele pensou em quantas pessoas já tinham
passado por uma situação tão bizarra como aquela; estava cansado, e havia
perdido tudo o que mais amava na vida, não tinha mais motivo algum para
continuar vivendo. Lembrou de Mônica e o choro surgiu instantaneamente, mas foi
contido antes de se tornar poderoso e fora de controle. Pensou nos seus pais e
amigos e na quantidade de dor e sofrimento que ele tinha causado em todas
aquelas pessoas. Ele sentia-se como se tivesse aberto uma caixa de pandora de
onde só escapavam sofrimento, agonia, dor e tormento.
Soltou o espelho no chão e entrou
correndo com a arma apontada para frente apontando para todas as direções; a
sala estava completamente revirada e a porta para o quintal da frente estava
aberta; ele a tinha fechado quando entrou. A chuva caia forte lá fora e o vento
trazia um cheiro de grama e terra encharcadas; outro cheiro forte inundou as
narinas dele trazida também junto com uma lufada úmida; era o cheiro de morte.
Não havia ninguém ali também, mas...
_ Ainda estou aqui Ricardo._ A voz
brotou do ar ao redor dele que se abaixou num reflexo impulsivo.
Ele girou no chão e apontou a
arma para todos os lados novamente. Se outra pessoa também estivesse na sala
certamente teria ouvido a voz, foi alta e clara. Ele procurou a pessoa que
falava, girou a cabeça de um lado a outro.
Não via ninguém.
Girou outra vez, tencionando o dedo no
gatilho, pronto para disparar, a Beretta estava agora no modo semi-automático,
mas não estava vendo inimigo algum.
A voz retornou como um trovão vindo da
chuva lá fora:
_ Não terminou ainda._ ela retumbou
pela sala.
Era uma voz masculina, mas não humana;
grossa e terrivelmente sombria; se ele pudesse discernir diria se tratar da voz
de algum deus do submundo que por algum motivo escuso e profano estava sobre a
face da terra para atormentar as pessoas comuns.
Ricardo atirou mais uma vez, a esmo. Na
verdade não queria fazer isso, mas o dedo escorregou pelo gatilho sensível, o
nervosismo era insuportável, e o susto veio na mesma velocidade dos disparos.
Três em sequência.
_ O que você quer de mim?!_ gritou.
Não houve resposta.
As lágrimas surgiram novamente. E ele
não pode contê-las.
_ O que você quer?!_ gritou Ricardo, já
quase sem forças. A garganta doía. _ Por que está fazendo isso comigo?!
De repente, a arma saiu das mãos dele,
foi arremessada para longe como se uma força invisível a tivesse arrancado
brutalmente, seus dedos doeram, pensou tê-los quebrado; a pistola se chocou
contra a parede e cuspiu mais três balas como fora condicionada para fazer; as
balas entraram no teto deixando à mostra apenas os orifícios criados pelos
impactos. Ricardo, pasmo com o que acabara de ver, tentou reagir, aquilo não
era fruto de sua mente lunática ou imaginação corrompida, tinha certeza que
não. Mas foi surpreendido antes que pudesse tomar qualquer atitude; quando se
deu conta já havia sido jogado contra a mesma parede; a única onde não havia os
restos da estante, mesa, poltronas, eletroeletrônicos e eletrodomésticos
destruídos pela mesma força que agiu no quarto.
Ele ouviu o estalo do nariz contra o
obstáculo sólido, sua cabeça se chocou de frente e tão rapidamente que tudo ao
redor ficou branco imediatamente; certamente tinha quebrado o nariz. Aquela
mesma força desconhecida que lhe tomara a arma agora estava arremessando-o para
os lados como um ventríloquo demente massacrando sua marionete indefesa.
Antes que pudesse sentir a dor total no
nariz, foi puxado pelo pescoço e jogado para o outro lado da sala; parte do
sofá estava no meio do caminho. Caiu por cima dele, o que amenizou um pouco a
queda; procurou o inimigo e ainda não via ninguém, mas novamente antes de poder
respirar foi puxado outra vez pelo braço esquerdo. Ricardo sentiu como que uma
mão invisível envolvendo seu pulso que estalou imediatamente, os ossos se
romperam, seu grito veio em seguida, ele foi jogado conta a parede novamente,
contra o chão mais uma vez e, por fim, lançado para fora da sala, na direção do
corredor.
As luzes da casa falharam, piscaram e
tremeluziram, mas não se apagaram.
Chocou-se contra o umbral da porta do
banheiro, por um segundo pensou que fosse morrer ali mesmo, mas se levantou e
correu desesperadamente para a cozinha, ignorando as dores que se iniciavam.
O nariz sangrava, as lágrimas
atrapalhavam a visão enquanto corriam e a mão esquerda com os dedos tortos doía
violentamente.
A voz de trovão retornou:
_ Eu vim lhe buscar Ricardo.
O homem correu sem dar atenção, queria
salvar a própria vida.
_ Vou levá-lo para outro lugar._
insistiu a voz._ Um lugar que você certamente ainda não conhece.
Ao chegar à cozinha, ele chorava como
uma criança e soluçava apavorado com a possibilidade de morrer em sua própria
casa, abatido por alguma coisa que ele não conhecia; alguma coisa que havia
entrado em sua mente e tirado tudo do lugar. Estava em agonia e olhou para a
porta que dava para os fundos da casa, estava aberta e era a única saída
provável daquela armadilha maligna. Ele segurava o pulso esquerdo com a mão
direita, estava quebrado, não poderia lutar nem atirar, nem fazer coisa alguma
sem sua mão esquerda. Sem ela estava inutilizado.
A cozinha era o único cômodo em que as
coisas permaneciam intactas e em seus devidos lugares, a força oculta, fosse o
que fosse não tinha tocado ali, mas aquilo ia mudar.
As coisas começaram a ser arremessadas
pelo ar; um fenômeno sobrenatural do qual já tinha ouvido falar muitas vezes,
visto diversos documentários na televisão com pessoas testemunhando a
veracidade dos fatos fora do comum e filmes que abordavam o mesmo tema;
Poltergeist. Mas agora estava presenciando horrorizado a tudo aquilo na posição
de espectador e vítima. Facas, copos, garfos, colheres, panelas, pratos,
enfeites de geladeira e todos os utensílios da cozinha saltando pelo ar e indo
de encontro às paredes, ao teto e ao chão; as portas da geladeira e armários
abriam e fechavam freneticamente permitindo com que todos os mantimentos
contidos neles também fossem influenciados pelo fenômeno. Como se duendes
insanos e invisíveis estivesse fazendo suas brincadeiras infernais com tudo
ali.
O barulho das coisas se destruindo era
ensurdecedor e em poucos segundo tudo se resumiria a um amontoado de destroços.
Os utensílios de vidro explodiam como se fossem granadas de fragmentação,
alguns pedaços do vidro, cortantes como fios de navalhas atingiram o rosto dele
produzindo cortes profundos; os metais se retorciam criando uma lamúria bizarra
e o piso de ladrilho se rachou sob seus pés. Ricardo jamais tinha ouvido falar
de qualquer manifestação de Poltergeist com aquela intensidade. As luzes
estouraram e subitamente toda a casa ficou escura, mergulhada numa bolha de
sombras que poderia facilmente ocultar qualquer terror noturno insondável e antigo.
Muitas das coisas estavam se chocando
contra o corpo já machucado de Ricardo que para não ser novamente arremessado
também como um mero objeto correu para a porta e passando por ela sob uma
saraivada de pedaços destruídos de utensílios saiu para o quintal dos fundos e
para os braços da escuridão da noite, do frio e da chuva.
_Sua vida Ricardo, é isso o que quero._
Retumbou novamente a voz, mas desta vez ele não teve certeza de ter ouvido
certo ou de ter imaginado.
Tudo parecia uma grande mixórdia e até
mesmo a própria noite parecia estar feliz de ver o que havia se abatido sobre a
vida de Ricardo. Ao menos foi este o pensamento que atravessou a mente
perturbada do homem.
Por um tênue segundo ele percebeu que
estava enfrentando dois inimigos ali, um era sobrenatural, desconhecido e real,
o outro era imaginário, conhecido e irreal, mas o segundo tinha ligações fortes
com o primeiro, afinal, sua loucura era um produto da relação que tivera com a
coisa que agora o estava perseguindo.
Ao passar para o lado de fora ele
tropeçou no batente e foi ao chão encharcado pela lama provocada pela grande
quantidade de água que descia dos céus, suas roupas também se encharcaram antes
da queda tamanha era a torrente de chuva. O queixo bateu com violência na lama
contra uma pedra escondida e uma fenda não muito funda ou longa se abriu
vertendo sangue no mesmo momento. O corpo bateu contra o solo em seguida num
baque firme.
O pulso doeu, estava perdendo a
sensibilidade da mão esquerda, sentia um formigamento no pescoço, no braço e
nas costas.
_ O que eu fiz para merecer
isso?_perguntou ao nada a sua frente. Foi quase um murmúrio.
O cheiro do seu próprio sangue o
incomodava. Tentou limpar o nariz com a mão direita, mas ao soltar o pulso
esquerdo este foi inundado por uma dor pavorosamente pior do que a que estava
sentindo antes; ele teve de segurá-lo novamente e apertar com a força que ainda
restava.
_ Eu vim para libertar parte de você,
Ricardo._ a resposta veio das sombras à esquerda dele.
Um vulto moveu-se em meio à escuridão
do quintal; tinha chifres grandes e retorcidos para trás, mas as trevas
noturnas o protegiam não sendo possível vê-lo totalmente.
Ricardo tentou se levantar logo que viu
a coisa nas sombras, mas sentiu uma intensa dificuldade, seu corpo estava por
demais cansado; cada músculo doía terrivelmente.
A chuva parecia mais pesada do que
devia ser, a noite parecia mais escura e o terror se apoderava cada vez mais da
alma do homem fraco e caído. Seria mais fácil se ele desistisse de lutar ou
resistir e se entregasse para morrer de uma vez, talvez assim conseguisse paz,
e nunca mais precisaria causar mal a qualquer pessoa como fizera tanto com desconhecidos
quanto com conhecidos; amigos e família.
A dor no peito aumentou.
_ Levante-se Ricardo, ainda não
acabamos_ disse a voz do vulto. Agora sem o estrondo retumbante de um trovão.
Mas com a mesma voz, só que mais humanizada do que antes, parecendo a voz de
uma pessoa normal.
Na verdade, Ricardo percebeu que em
momento algum desde que a chuva tinha começado havia surgido relâmpagos
chicoteando os céus ou trovões, era uma chuva muito diferente das chuvas de
verão normais para aquela época do ano no Rio de Janeiro; quando uma pancada
sempre nos finais de tarde caía sobre a cidade com muita força, raios, trovões,
por vezes muito vento também, e minutos depois se desfazia tão rápido quanto
tinha se formado.
Ele percebeu outra coisa também, o
clima estava quente, mesmo com a chuva forte que já durava cerca de uma hora; o
frio que Ricardo sentia não era climático, mas sim provocado pela horripilante
sensação de proximidade com aquele mal.
Aquela chuva tão diferente era
provocada pela mesma força estranha que também o estava atormentando sem
motivo.
Ricardo ouvia tenuemente o barulho das
panelas e coisas que haviam ficado em suspensão na cozinha saltando contra as
paredes de um lado para outro; todas estavam caindo no chão com grande barulho
naquele momento, mas o som da chuva nas telhas galvanizadas do terraço sobre a
casa; no quintal, no solo e nas copas das árvores das casas mais afastadas
sobrepujavam qualquer outro som exceto a voz da criatura que das sombras falava
com Ricardo. Mesmo se ele gritasse a plenos pulmões por socorro, jamais seria
ouvido no meio daquela cacofonia toda.
Os olhos dele demoraram mais do que o
normal para se adaptarem à falta de luz e quando isso finalmente aconteceu pôde
ver que a criatura com os chifres retorcidos de um demônio na verdade era uma
combinação improvável de galhos de uma pequena goiabeira que ele mantinha em
seu terreno, a árvore estava curvada como um corcunda, e parecia arfar sentindo
o peso desproporcional que cada pingo d’água causava ao bombardear suas folhas
a partir do céu. Um macabro jogo de sombras envolvendo, as folhas, os galhos e
as trevas noturnas tinham formado, ao menos na visão de Ricardo, a aparência de
um ser semelhante a um minotauro mitológico, mas o monstro não era real. Ele se
odiou por pensar aquilo, ninguém sem sã consciência interpretaria todo aquele
conjunto inofensivo de uma forma tão estapafúrdia e desorientada. Era seu
inimigo imaginário agindo novamente.
A água que caia nos olhos dele era
tanta que parecia como se estivesse deitado sob uma cachoeira; estava impedindo
de enxergar com mais clareza e a falta de luz naquela noite medonha também não
ajudavam nada, mas era possível notar que aqueles galhos retorcidos jamais
poderiam possuir ou se assemelhar a uma forma humana, tampouco uma forma humana
que possuísse longos chifres retorcidos para trás.
_Ainda estou aqui. _ A maldita voz
voltou, teimava em voltar e certamente só se daria por satisfeita quando aquele
homem deitado na grama, ferido e à beira da loucura absoluta fosse totalmente
engolido pela insanidade ou tragado de vez pela profunda escuridão.
_ O que você quer comigo?_ Ricardo se
colocou de joelhos, sentindo a dor lancinante que o pulso quebrado e os dedos
deslocados impunham ao restante do corpo.
A voz respondeu vinda de outro lado,
ficava constantemente mudando de direção e Ricardo tinha de olhar para um lado
e em seguida para outro se quisesse acompanhar com clareza o que estava sendo
dito. Do contrário não era mais capaz de entender as palavras.
_Parte de você ainda precisa fazer um
favor para mim. Nosso pacto só acaba quando você fizer essa última tarefa. Aí
então irei embora e você estará livre novamente. Mas se você não conseguir,
arrasto você comigo. Para sempre!
Abismado com o que estava ouvindo,
Ricardo tentou achar uma explicação dentro da própria cabeça, algo que
justificasse o inferno pelo qual tinha passado nas últimas horas.
_ Não fiz trato algum com ninguém. Não
sei quem é você.
_ Oh! Fez sim; parte de você fez.
Afinal de contas o que é que você veio fazer aqui essa noite? Quem o mandou vir
aqui?
_ Essa casa é minha, droga!_ gritou, um
pouco por indignação e um pouco por dor.
Sentia calafrios provocados pelo pulso
destruído que subiam pelo braço como ondas de choque e se uniam a dor do peito
e ombro; pouco a pouco aquela sensação abria caminho em direção a cabeça dele.
Respirou com extremo esforço logo que
terminou seu protesto, o ar não queria entrar nos pulmões.
_Todos os homens fizeram um trato
comigo em algum momento da vida._ falou a voz, concluindo_ E eu cobro de quem
desejar, quando desejar.
Embora a casa realmente pertencesse a
Ricardo, ele não morava mais nela; não conseguia ficar muito tempo dentro do
domicílio sem lembrar da família que tinha perdido, a saudade triturava seu
coração; tentou falar com Mônica algumas vezes desde que ela se foi, mas não
era possível, a esposa estava convencida de que Ricardo era completamente
louco, e, além de louco tinha se tornado perigoso. Mônica passou a só falar em
um outro homem chamado Fausto, a quem Ricardo não conhecia, e, além disso,
afirmava que nunca sabia quando o marido ia sair de casa dizendo que precisava
fazer algo sem revelar o que era, mesmo nas madrugadas; ela perdeu a confiança
no dia que Ricardo mostrou a arma que havia comprado dizendo ser para a
proteção deles. Na manhã seguinte ele acordou só, e sobre o criado mudo ao lado
da cama restava apenas o número do telefone celular dela escrito numa folha de
caderno e presa sob uma pequena estatueta de um anjinho querubim, uma
criancinha pequena e rosadinha, barrigudinha, bochechuda envolta em uma
miniatura de frauda, com cabelos aloirados e encaracolados adornados por uma
coroa de flores; com asinhas pequeninas, brancas como de uma pomba e segurando
uma harpa. Mônica amava aquele bibelô.
Jamais soube para qual lugar a esposa
tinha ido, e embora conhecesse a localização da casa do cunhado, irmão de
Mônica; Leonardo Soares, nunca teve coragem de ir até lá nem mesmo para saber
se ela estava morando com o irmão ou se ele tinha a informação de onde ela
estava vivendo.
Ligou várias vezes para o número; nas
primeiras semanas não foi nem mesmo atendido, mas depois conseguiu falar com
ela, sem sucesso. Mônica estava irredutível e considerava Ricardo uma ameaça à
vida dela. A mulher parou de atender as ligações, provavelmente tenha trocado
de telefone.
Um mês após ser abandonado ele decidiu
não ficar mais na casa, resolveu passar os dias vagando pelas ruas e dormia em
pequenos hotéis e motéis; estava gastando as economias de quase dez anos de
trabalho, mas não podia se dar ao luxo de ficar muitas noites no mesmo lugar
sob pena de ser alcançado por seu perseguidor. Era o que acreditava.
Naquela noite, entretanto, tinha
voltado até a casa para aplacar um pouco da saudade que sentia, queria tanto se
encontrar com Mônica outra vez; talvez o sorriso dela tivesse força suficiente
para partir a couraça intransponível de loucura que se formou na mente de
Ricardo e seu abraço quente, terno e cheiroso fosse o bastante para acalentar o
coração cansado e aprisionado numa jaula de sentimentos ruins com relação à
própria vida.
Dentro da casa ele foi diretamente para
o quarto, não percebeu que a chuva grossa tinha se iniciado momentos antes dele
chegar à residência, queria ver algumas fotos de Mônica e pegar o pequeno
bibelô angelical para levar consigo, eram as únicas coisas da esposa que ainda
tinha; era o que restava de um relacionamento que começou intenso e apaixonado
e terminou sem uma única palavra sequer.
Quando chegou ao quarto percebeu que
tudo estava fora do lugar, pensou que seu perseguidor poderia ter ido até lá na
esperança de achá-lo o que em não acontecendo foi o suficiente para que
destruísse todo o lugar. Ele ia caminhar até a janela aberta,quando a cama se
moveu do lugar arrastada repentinamente, vindo em sua direção, ele saltou sobre
ela num ataque insano que simplesmente brotou, em seguida resolveu sair logo da
casa e deixar tudo para trás, o lugar despertava nele a insanidade que queria
tentar manter sob controle.
Quando passou pelo espelho, viu pela
primeira vez a face amorfa da criatura cuja voz conhecia há tempos; assustado,
sacou da pistola e atirou contra ela duas vezes. Foi quando o tormento da noite
começou.
_ Eu fiz você vir aqui hoje
Ricardo._Rebateu aos gritos do homem no chão. _ chamei você.
O corpo doía e a mente também. As
sombras da noite dançaram diante dele; as alucinações estavam voltando.
Ricardo era uma pessoa que se
considerava especial desde muito jovem, ouvia vozes desde pequeno, vozes que
revelavam segredos e costumava adivinhar coisas que ainda iam acontecer, não
era algo que ele tinha controle ou que quisesse fazer; simplesmente acontecia.
Quando grande passou a ter sensações; terríveis sensações, sobre pessoas que
estavam prestes a cometer loucuras; pessoas comuns que matariam outras pessoas
inocentes pelos motivos mais diversos e banais. Foi quando aquela voz; aquela
que falava com ele no jardim encharcado, aquela que era diferente de todas as
outras, apareceu pela primeira vez dizendo que na hora certa ele teria de fazer
algo grandioso e pediu que Ricardo não permitisse que as pessoas atormentadas
matassem inocentes; deu-lhe a missão de interferir em algumas delas. Na época
tudo era muito confuso. Não podia haver falhas. Mas Ricardo se atrapalhou,
enfiou os pés pelas mãos, e só foi bem sucedido uma vez.
_ Não fiz pacto com você._ Ele
balbuciou.
_Ricardo._ recomeçou a sombra_ Você
precisa fazer uma coisa para mim; só mais uma e eu vou embora. Mas não erre
novamente. Pois não encontrará misericórdia alguma em mim.
_ Minha mão. Minha mão dói demais_
disse como uma criança, já em lágrimas.
Em seguida sorriu com a face
envelhecida pelo tormento, um sorriso falso e melancólico, deformado pela dor.
Parecia vários anos mais velho do que realmente era. Em seguida disse:
_Você quer me matar; quer minha alma.
Eu sei.
Não houve resposta.
Ele continuou chorando, fez uma força
sobre-humana para se sentar no chão, soltou um palavrão por causa da dor,
levantou a cabeça, estava tonto, olhou para o céu negro como mármore fosco e
seu rosto foi bombardeado pela fúria da chuva.
_Pode me levar_ Ricardo falou, e
continuou._ Não aguento mais; por favor. Acabe logo com isso; faça o que
quiser, não ligo.
Ricardo se preparou para o pior, sabia
que a força contra a qual estava se digladiando era abominavelmente malévola,
mesmo sob o manto sereno que a voz usava naquele momento, e pensou que o
Poltergeist ou qualquer coisa parecida seria usado novamente para impedir seu
coração de bater ou dominá-lo comum a loucura tal que retirasse sua sanidade e
consciência para sempre, relegando-o a um estado vegetativo pelo resto de seus
dias.
A dor e o medo se apossaram
completamente dele; sua cabeça pesou para frente e ele não teve força para
manter a coluna ereta. O corpo tombou novamente para frente, os sentidos
fugindo tão rápido como as sombras fogem da luz; a vida escoria do corpo como
as areias de uma ampulheta. A morte estava se aproximando.
Finalmente a voz retornou:
_ A dor liberta, Ricardo; transforma,
trata, fortalece. Me ajude a construir um mundo diferente. Destruindo este.
Enquanto falava, a voz que até aquele
momento era semelhante a uma voz comum, humana, foi se tornando novamente
ribombante, como o trovão que fora antes. Como se recuperasse ou trouxesse
novamente sobre si mesma suas características superiores ou profanas e
estivesse novamente em pé de igualdade com a tempestade que o açoitava.
_Encontre o jovem especial,
encontre-o._ Foram os últimos estrondos fantasmagóricos.
Ricardo já não podia ouvir coisa
alguma.
A mente dele estava nas últimas
convulsões, não conseguia separar mais o que era real do que era imaginário;
havia perdido a capacidade de discernimento e esforçando-se muito pensou em
Mônica mais uma vez.
Caiu sob o efeito do peso do próprio
corpo puxado pela gravidade; olhos fechados, coração batendo cada vez mais
lentamente, sem respiração, nenhum pensamento, nenhuma dor, nenhuma lembrança e
nenhuma alucinação. Só escuridão, escuridão, escuridão, e... Caos...
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